segunda-feira, 2 de maio de 2011

Manifesto pela não violência: "Casa dos Autistas" e MTV piada que não faz rir, é de chorar. ( Daniela Bolzan)





Não se pode negar a liberdade dos comediantes de fazer humor com quem quer que seja. No Estado Democrático de Direito temos que partir dessa premissa (não da censura). Mas cuidado: há piadas que não geram nenhum tipo de riso. São, portanto, de chorar (porque chocantes). Nesse grupo entram as piadas contra pessoas ou grupo delas que, por razões pessoais, não possuem condições de reagir à provocação, à ofensa. Os autistas, em geral (não todos; há muitas exceções), ingressam nesse grupo.

A ética (arte de viver bem humanamente, ou seja, respeitando os demais seres humanos) constitui um limite (que não significa proibição) ao humor, quando não existe ou em regra não existe capacidade de reação de quem foi escrachado. A sociedade, nesse caso, tende a se posicionar em defesa de quem foi “humilhado”.
Não só não acha graça na piada, como a reprova. Não existe proibição nenhuma de brincar com quem quer que seja, mas o humorista tem que perceber que nem tudo que não está proibido é recomendável. Não se brinca depreciativamente com quem não apresenta condições de defesa.
A piada acabou sendo claramente discriminatória e, em certo sentido, irresponsável, na medida em que criou um estereótipo irreal dos autistas, desconstruindo todo trabalho de instituições e pessoas que desenvolvem políticas públicas justamente para promover a integração e convivência dos portadores da Síndrome do Espectro Autista ou qualquer outro tipo de transtorno mental.
A piada foi além do preconceito. Atingiu o nível da discriminação[1]. O preconceito é tido como uma ideia, um sentimento, a discriminação é a exteriorização do preconceito, é o ato de discriminar.
As imagens foram repudiadas, de um modo geral, por diferentes telespectadores. Além da dor e tristeza causada aos familiares e aos próprios autistas, qualquer faixa etária sensibilizou-se diante de tamanho equívoco, que chegou ao escárnio[2].
O autismo é  uma síndrome caracterizada por dificuldades qualitativas na comunicação, na interação social e na imaginação, fazendo com que o indivíduo apresente problemas comportamentais[3], explica o Dr. Estevão Vadasz, coordenador do Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
No dia 02 de abril de 2010, Dia Mundial de Conscientização do Autismo, a ONU declarou que a síndrome atinge cerca de 70 milhões de pessoas em todo o mundo, ou seja, afeta uma a cada cento e cinquenta pessoas, aproximadamente, segundo dados do Center of Disease Control and Prevention, dos EUA.
Só no Brasil, o número chega a um milhão de pessoas com autismo[4], segundo avaliação realizada pela Organização Mundial da Saúde, dos quais apenas 20 mil têm diagnóstico.
Porém, este cenário vem mudando no país. Segundo o especialista, Dr. Estevão Vadasz, nos últimos 10 anos, houve uma sensível melhora na qualidade do diagnóstico, graças ao brilhante papel da imprensa, vez que esta dissemina a informação sobre a síndrome, possibilitando a conscientização e melhor preparo dos pais.
O programa censurado fez um desfavor para toda a sociedade: órgãos, entidades, associações, familiares e autistas. Não esclareceu a doença, causou ainda mais preconceito nos desavisados, além de estigmatizar os detentores da síndrome.
Foi grande a repercussão pejorativa que teve referido programa de humor. Para o Dr. Estevão Vadasz, o quadro produzido pela MTV “Foi uma manifestação de mau gosto e de completa ignorância sobre o assunto. Retratou o autista como um completo idiota, um imbecil. Um total desserviço” (depoimento fornecido para o Jornal Estadão, na matéria de 27/04/11).
Mais de 6.500 brasileiros se mobilizaram e assinaram a Petição Pública online contra a discriminação e desrespeito aos autistas.
Iniciativas como esta, bem como diversas outras manifestações online contra o ato discriminatório, levaram o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) a ingressar no dia 25/04/11 com uma representação no Ministério Público Federal contra a emissora MTV, pleiteando a retirada do ar do quadro, bem como a elaboração de um pedido formal de desculpas aos afetados.
Em resposta, dia 26/04/11, a produção do programa pediu desculpas aos ofendidos pelo conteúdo exibido e ressaltou que nos últimos 20 anos defende a inserção social de pessoas com deficiência de maneira séria e informativa (veja a íntegra da resposta da MTV).
Mais do que um pedido de desculpas, para um ato discriminatório desta proporção, bem que poderia a própria MTV promover uma série de programas educativos e informativos focados nas pessoas portadoras desta síndrome.
Autista precisa de inclusão e não de discriminação!
É preciso sempre compatibilizar a “liberdade de expressão” com a “dignidade da pessoa humana”.
Não há melhor forma para contextualizar o início da luta dos movimentos sociais que não a Revolução Francesa. O tripé do então movimento revolucionário era composto pela “égalité” – igualdade, a “liberté” – liberdade e, a “fraternité” –fraternidade. Toda nossa liberdade deve ser compatibilizada com o respeito às pessoas que não podem (em geral) se defender. Liberdade com fraternidade.
Em meio a políticas e projetos inclusivos de pessoas com deficiência, síndromes, de diferentes etnias, nacionalidades, cor, dentre outros, surge, absolutamente na “contra mão” um programa televisivo discriminatório.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Doiretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
**Advogada, pós graduanda em Ciências Penais e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.

[1] Segundo os entendimentos do Sociólogo Ivair Augusto Alves dos Santos: “Discriminação é um conceito mais amplo e dinâmico do que o preconceito. Ambos têm agentes diversos: a discriminação pode ser provocada por indivíduos e por instituições e o preconceito, só pelo indivíduo. A discriminação possibilita que o enfoque seja do agente discriminador para o objeto da discriminação. Enquanto o preconceito é avaliado sob o ponto de vista do portador, a discriminação pode ser analisada sob a óptica do receptor”.
[2] Inúmeros sites e blogs manifestaram seu sentimento de repúdio ao programa da MTV, bem como ao principal ator, Marcelo Adnet, confira.
[3] Sua origem está relacionada a alterações biológicas, sejam hereditárias, ocorridas na gestação e/ou parto.
[4] A cada 150 meninos que nascem um deles tem autismo. É mais comum em meninos, a cada quatro, uma menina desenvolve o problema.

LUIZ FLÁVIO GOMES*
Natália Macedo**
Fonte: ipclfg.com
Para quem quiser ver o artigo em seu site de origem segue o link:
Meus sinceros agradecimentos por colocar nosso Blog como referência no ítem [2],
Abraços
Daniela Bolzan



Um comentário:

  1. Agradeço de coração por terem feito esta matéria, é muito bom saber que estão nessa luta com a gente. E juntos vamos vencer! Obrigada por ter colocado nosso Blog como referência, agradeço de coração...Podem contar conosco sempre...

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